segunda-feira, 31 de janeiro de 2011


"Além disso, sou terrivelmente
instável e entender as minhas reações é coisa que às vezes nem eu mesmo consigo."

- Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

"A autopiedade continua sendo o defeito de personalidade mais comun e o mais universalmente abominado de todos,e a sua destrutividade é plenamente reconhecida.(...)"
Joan Didion



trecho do livro que estou lendo;
O ano do pensamento mágico - Joan Didion

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Eu nunca vou entender

Mais um domingo que você me liga. Igual faz a uns quatro ou cinco anos. Você beija a sua mãe depois do churrasco, dá um oi carinhoso e finalmente pensa sem culpa na sua ex, cheira sua camiseta pra ver se a coisa tá muito feia e descobre que sua vida está prestes a ficar vazia: chegou a hora de me ligar.

Você não sabe ao certo o que vê em mim, mas também não sabe ao certo o que não vê. Você sabe que pode ter uma mulher mais gostosa do que eu, mas por alguma razão prefere a gostosa garantida, aquela que ainda ri das suas piadas. Mesmo sendo as mesmas piadas há quatro ou cinco anos.

Aí você me liga, com aquele ar descompromissado e meigo de quem só quer ir no cinema com uma velha amiga. Eu não faço a menor idéia do que vejo em você, mas também não faço idéia do que não vejo. Eu posso ter um cara mais gostoso, como de fato já tive milhares de vezes. Mas por alguma razão prefiro suas piadas velhas e seu jeito homem de ser. Você é um idiota, uma criança, um bobo alegre, um deslumbrado, um chato. Mas você é homem. E talvez seja só por isso que eu ainda te aguente: você pode ter todos os defeitos do mundo, mais ainda é melhor do que o resto do mundo.

Aí a gente, sem saber ao certo o que está fazendo ali, mas sem lugar melhor para estar, acaba pulando o cinema que nunca existiu e indo direto ao assunto. O mesmo assunto de quatro ou cinco anos que, assim como as suas piadas, nunca cansam ou enjoam.

E aí acontece um fenômeno muito estranho comigo. Mesmo quando não é bom, mesmo quando cansado e egoísta você não espera por mim e vira pro lado pra dormir ou pra voltar à sua bolha egocêntrica de tudo o que é seu, eu sempre me apaixono por você. Todas as vezes que te vi, nesses últimos quatro ou cinco anos, eu sempre me apaixonei por você. Eu sempre estive pronta pra começar algo, pra tomar um café de verdade, pra passear de mãos dadas no claro, pra poder te apresentar ao sol sem receber mensagens de gente louca ou olhares curiosos, pra escutar uma piada nova. E você sempre ignorou esse fato, seguindo seu caminho que sempre é interrompido pelo vazio da sua camiseta fedendo a churrasco. Eu nunca vou entender. Eu nunca vou saber porque a vida é assim. Eu nunca vou entender porque a gente continua voltando pra casa querendo ser de alguém, ainda que a gente esteja um ao lado do outro. Eu nunca vou entender porque você é exatamente o que eu quero, eu sou exatamente o que você quer, mas as nossas exatidões não funcionam numa conta de mais.

Eu só sei que agora eu vou tomar um banho, vou esfregar a bucha o mais forte possível na minha pele e vou me dizer pela milésima vez que essa foi a última vez que vou ficar sem entender nada. Mas aí, daqui uns dias, igual faz há uns cinco ou seis anos, você vai me ligar. Querendo pegar aquele cineminha, querendo me esconder como sempre, querendo me amar só enquanto você pode vulgarizar esse amor. Me querendo no escuro. E eu vou topar. Não porque seja uma idiota, não me dê valor ou não tenha nada melhor pra fazer. Apenas porque você me lembra o mistério da vida. Simplesmente porque é assim que a gente faz com a nossa própria existência: não entendemos nada, mas continuamos insistindo. “

Tati Bernardi

sábado, 8 de janeiro de 2011

“Aos caminhos, eu entrego o nosso encontro.”


"Não me aproximo porque, veja bem, sabe lá quem habita a tua solidão. Hesito. Recuo.

Me afasto tristíssima. E te imagino em poses e sorrisos, voz grave e cabelos desgrenhados,

preso nas minhas fantasias mais loucas e movimentadas. Numa delas sou um bichinho invisível,

com asas, que adentra tua casa e te observa em segredo. Faço o contorno do teu corpo todo com os olhos,

parada contra a parede do teu quarto, imóvel, enquanto tu te atiras na cama. Cansado.

Tu olhas para o teto imaginando mil coisas, memórias, compromissos, desejos, saudades.

Te fito com dor. A luz do abajur faz sombra na tua pilha de livros,

que folheei um dia e quis pedir emprestado mesmo sabendo que não havia intimidade para pedidos.

Por razões que desconheço, nossas aproximações foram sempre pela metade. Interrompidas.

Um passo para a frente e cem para trás. Retrocessos. Descaminhos. Procuro sinais de algum amor teu.

Vestígios de noites passadas. Tu não me vês, estou incógnita a te observar. Como sempre estive,

olhando pelas janelas, de longe, coração apertado. Nós poderíamos ser amigos e trocar confidências.

Assistiríamos a filmes, taça de vinho nas mãos, e tu me detalharias as tuas paixões e desatinos.

Nós poderíamos ser amantes que bebem champanhe pela manhã aos beijos num hotel em Paris.

Caminharíamos pela beira do Sena, e eu te olharia atenta,

numa tentativa indisfarçável de gravar o momento e guardá-lo comigo até o fim dos meus dias.

Ou poderíamos ser apenas o que somos, duas pessoas com uma ligação estranha,

sutilezas e asperezas subentendidas, possibilidades de surpresas boas. Ou não.

Difícil saber. Bato minhas asas em retirada. Tu dormes, e nos teus sonhos mais secretos,

não posso entrar. Embora queira. À distância, permaneço te contemplando.

E me pergunto se, quem sabe um dia, na hora certa, nosso encontro pode acontecer inteiro.

Porque tu és o único que habita a minha solidão."

Caio Fernando Abreu